Ricardo Maradei fala de seus discos e do trabalho na cena roqueira |
O compositor, cantor e baixista Ricardo Maradei, é o entrevistado de Marcelo Souza no programa Vozes do Pará desta sexta-feira. Ele fala de sua carreira e de seu último trabalho, o disco Romance Roubado. Veja o que ele próprio escreveu sobre a cena roqueira paraense e sua participação na banda StereoScope, uma das melhores da Amazônia:
"O desapontamento que algumas pessoas, músicos, apreciadores e jornalistas demonstram em relação a essa última geração de músicos daqui do Pará, mais especificamente com relação a essa geração de bandas de rock nascidas já no século XXI, ou que chegaram ainda jovens até ele, é algo que merece alguma reflexão. Há uma questão-problema que não é o desapontamento em si, mas a existência dele motivada por uma causa específica, que, a meu ver, claramente é o insucesso comercial ou de popularidade nacional desses artistas. E de como se procedeu para tentar resolver a questão.
Me lembro que em meados de 2003 ouvi o disco Fanzine, da banda Suzana Flag, e fui, nos anos seguintes, a muitos shows ouvir Elder, Joel e Suzane cantarem suas canções, que, de expressivas que eram e ainda são, deverão me acompanhar por bom tempo ainda. Naturais de Castanhal, tiveram em Belém um reconhecimento real de um grupo pequeno, porém considerável, de pessoas, passando a fazer parte do imaginário de uma Belém reduzida e glamourosa, de festas, bares, boates e festivais lotados ou não de gente que, pelos menos em grande parte, gostava muito da banda. Havia muitos fãs verdadeiros e verdadeiros entusiastas, dando a impressão de que o rock pop tinha chegado pela primeira vez por aqui. No entanto, pra muitos o Suzana Flag vai ser sempre a banda que “podia ter sido”.
O Eletrola desfrutou de uma ascensão local semelhante, interrompida pela dissolução da banda. Gente que nem gostava de rock entendia os versos e melodias simples do grupo apenas como música e ouvia o disco da banda em casa, ia aos shows ou acompanhava tudo pela televisão em apresentações ao vivo na Rádio e TV Cultura. Foi assim não só com eles, mas com outras bandas e artistas. Creio que em relação a todas, no entanto, tenha ficado aquele sentimento de “quase lá”. Afinal, nenhuma virou o novo Cachorro Grande ou coisa parecida.
De forma ingenuamente generosa, para resolver esse problema, ou melhor, ainda naquela época, para extirpá-lo pela raiz, foram apontadas as precariedades dos recursos tecnológicos das gravações dos discos de Suzana Flag e Eletrola como empecilhos ao almejado sucesso nacional. Suzane foi acusada de desafinada e Camilo de guitarrista ruim. E a mim sempre perguntavam quando o Stereoscope iria regravar o disco Rádio 2000, considerado um dos registros fonográficos mais toscos dessa época.
Não há nada de necessariamente ruim em buscar aperfeiçoamento técnico, mas vejo que isso, esse anseio por um aperfeiçoamento técnico redentor baseado apenas na conquista de mais fidelidade e potência sonora, acaba por engessar o que existe de criatividade, restando uma procura por padronizações que ignora, inclusive, a bem sucedida história do rock. Um disco como Bee Thousand (1994), da banda americana Guided by Voices, por exemplo, se tivesse sido lançado por aqui, provavelmente seria considerado, no máximo, uma demo promissora, não uma obra-prima de um gênero. No rock paraense inoculou-se o medo de ser transgressor pela ameaça e receio de não vir a ser nada. Algo parecido com o que é feito com fiéis em igrejas cristãs.
A condição de subdesenvolvimento deste Estado em relação aos grandes centros, ainda no que diz respeito ao rock, por vezes é tratada como algo extremamente nocivo e paralisador, como se devesse primeiramente ser saneada, para então estarmos aptos a produzir algo que seja digno de ser considerado “de qualidade”. Enquanto isso, leis de incentivo fiscal prometem concretizar os anseios subdesenvolvidos de ser desenvolvido, criando, como já me disse Jack Nilson, algo que não é nem uma coisa nem outra, e é, agora por minha conta, com certeza pior que as duas.
Para os que não esperam pelo paraíso, ou simplesmente não acreditam nele, resta sair dessa zona de (des)conforto, e escolher em primeiro lugar a arte, deixando os planos demasiado humanos pra depois, ou podemos ficar somente com a reflexão de Gabriel Garcia Márquez, em seu Cem Anos de Solidão, de que “O mundo terá acabado de se foder no dia em que os homens viajarem de primeira classe e a literatura no vagão de carga”. O que, se fosse assim por aqui, por hora já seria o suficiente."
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